Sobre não-eu, existência e estratégias ontológicas

O conceito de anatta é o mais original e, talvez, o mais polêmico do budismo. É difícil realizar a ideia de não-Eu, pois nosso Ego se apega à crença de que existimos eternamente. Dessa forma, ao longo da história, tentativas disfarçadas de introduzir uma ideia de Atta dentro do budismo foram feitas. Num recente debate dentro da comunidade Theravada, o monge estadunidense Ajahn Thanissaro tem afirmado que Anatta não é uma afirmação ontológica, apenas uma estratégia de prática. Neste texto, o monge australiano Ajahn Sujato critica essa posição e argumenta em favor da visão clássica de que Anatta é uma afirmação ontológica.

É bastante curioso que certos comentaristas, como o Ven. Thanissaro, argumentem que anattā significa “not self” em vez de “no self”, pois a distinção entre “not-self” e “no-self” não é encontrada no Páli. De qualquer forma, nenhum tradutor experiente realmente traduz anattā como “no self”. Tente traduzir sabbe dhammā anattā como “All things are no self” – simplesmente não funciona.

Trata-se de uma falácia do espantalho. O problema aqui, para ser claro, não é se algumas pessoas de fato proferiram ou não os argumentos que o Ven. Thanissaro alega. É que ele fia-se repetidamente nisso como um dispositivo retórico, enquadrando seu argumento como o de um revelador da verdade perspicaz, alguém de fora que é capaz de se livrar dos delírios que atravessam a ortodoxia. Essa retórica é subterfúgio dos teóricos da conspiração e não é digna de uma genuína discussão sobre o Dhamma.

Acontece que isso é apenas parte de um conjunto muito mais amplo de crenças. Ven. Thanissaro, ao longo de muitos anos, repetidamente articulou exatamente o mesmo argumento sobre não-eu: é uma estratégia, não uma afirmação metafísica sobre o que existe. Ao fazer isso, ele se apóia fortemente em uma única passagem, o SN 44.10. Em um artigo de 2014 para a Tricycle, ele diz:

Quando Vacchagotta, o andarilho, perguntou-lhe diretamente se existe ou não um eu, o Buda permaneceu em silêncio.

No texto, ele alega que isso é “geralmente” explicado por “aqueles” que dizem que Vacchagotta está confuso. Mas ele não cita um único exemplo de alguém fazendo isso: este é outro espantalho. De qualquer forma, o próprio sutta afirma diretamente:

“Ānanda, se eu tendo sido perguntado pelo errante Vacchagotta se existe um eu, tivesse respondido que não existe um eu, o confuso Vacchagotta ficaria ainda mais confuso, pensando:
‘Parece que o eu que eu tivera antes não existe mais.’”

Uma vez que o próprio sutta diz que Vacchagotta ficaria confuso, o que há de errado com os comentaristas modernos que simplesmente reafirmam o que o sutta diz? Agora eu que estou ficando confuso!

Ven. Thanissaro alega, novamente sem citação, que outros comentaristas ignorariam os outros motivos dados no sutta pela falta de resposta. Sendo isso um argumento, é um argumento fraco: por que as pessoas não deveriam enfatizar os aspectos do sutta que parecem mais relevantes para elas? Por que outras pessoas têm a obrigação de priorizar as coisas que o Ven. Thanissaro considera importantes?

De qualquer forma, isso simplesmente não é verdade. A questão foi discutida, por exemplo, em 2000 pelo Ven. Bodhi em sua nota de rodapé à tradução deste sutta em seus Discursos Conectados (Samyutta Nikaya), onde ele rejeita o argumento da “estratégia de percepção” do Ven. Thanissaro:

Provavelmente, isso significa que Vacchagotta teria interpretado a negação do Buda como uma rejeição de sua personalidade empírica que (por causa de sua inclinação para as visões do eu), ele estaria identificando como um Eu. Devemos prestar atenção cuidadosa às duas razões pelas quais Buda não responde que “Não existe um eu”: não porque ele reconheça algum tipo de eu transcendente (como alguns intérpretes alegam), ou porque ele se preocupa apenas em delinear “uma estratégia de percepção” desprovida de implicações ontológicas (como outros sustentam), mas (i) porque esse modo de expressão foi usado pelos aniquilacionistas [niilistas], e o Buda queria evitar alinhar seus ensinamentos com os deles; e (ii) porque ele desejava evitar causar confusão naqueles já apegados à ideia do Eu. O Buda declara que “todos os fenômenos são não-eu” (sabbe dhammā anattā), o que significa que, se alguém busca um eu em algum lugar, não o encontra. Como “todos os fenômenos” incluem tanto o condicionado quanto o incondicionado, isso exclui um eu totalmente transcendente e inefável.

Ven. Thanissaro respondeu a isso em um comentário de 2004, negando Bodhi e alegando que em nenhum lugar do cânone os aniquilacionistas [niilistas] dizem declarar que não existe um eu. Mas Ven. Bodhi estava apenas reafirmando exatamente o que é dito no próprio sutta:

E se eu … tivesse respondido que não existe um eu, isso estaria conforme com aqueles brâmanes e contemplativos que são os expoentes do niilismo (isto é de que a morte é a aniquilação da experiência)…

Em A estratégia do não-euMind Like Fire Unbound, Ven. Thanissaro reforça seu argumento comparando a passagem de Vacchagotta com uma passagem no Sutta Nipāta (Snp 5.16). Lá, um certo Mogharāja pergunta como lidar com o mundo para não ser visto pelo Rei da Morte. O Buda responde que deve-se ver o mundo como vazio, estar atento e afastar a visão do eu. Thanissaro argumenta que a razão pela qual Buda respondeu a Mogharaja, mas não a Vacchagotta, foi porque a pergunta de um foi feita como estratégia, mas a do outro como metafísica.

A diferença fundamental entre esse diálogo e o anterior está nas perguntas: No primeiro, Vacchagotta pede ao Buda que se posicione sobre a questão metafísica de saber se existe ou não um eu, e o Buda permanece em silêncio. No segundo, Mogharāja pede uma maneira de ver o mundo para que alguém possa ir além da morte, e o Buda se manifesta, ensinando-o a ver o mundo sem referência à noção de eu. Isso sugere que, em vez de ser uma afirmação metafísica de que não existe um eu, o ensino do não-eu é mais uma estratégia, uma técnica de percepção destinada a levar além da morte para o Desapegar. (MLFU)

Mas uma olhada no contexto do Snp 5.16 é suficiente para descartar esse argumento. Lembre-se que no SN 44.10, Vacchagotta faz sua pergunta uma vez; não recebendo sua resposta, ele sai. No Snp 5.16, Mogharaja começa dizendo:

Dvāhaṃ sakkaṃ apucchissaṃ, Na me byākāsi cakkhumā;
“Eu já fiz essa pergunta ao Sakyan duas vezes, mas o Buda não me respondeu”.

A diferença, novamente apenas reafirmando os suttas, é que Mogharāja ficou por perto e continuou perguntando, enquanto Vacchagotta não o fez. Por que, pode-se questionar, o Buda relutou em responder a Mogharāja imediatamente, dado que ele estaria perguntando explicitamente sobre uma estratégia e não metafísica? O texto não nos diz, mas o comentário, com alguma razão, diz que Mogharāja não estava pronto para entender quando ele perguntou anteriormente.

Esta não é a única maneira pela qual Ven. Thanissaro omitiu o contexto essencial. Ele critica “muitos comentaristas” anônimos que, ao que parece,

observando o desejo do Buda de não desconcertar Vacchagotta, supõem que seus leitores e ouvintes que estavam presentes não ficariam desconcertados com uma doutrina de que não existe um eu, e sentem-se à vontade para preencher a lacuna, declarando sem cuidado o que eles acreditam que o Buda era simplesmente reticente demais para dizer.

Como já mencionado, o Buda declara explicitamente no sutta que Vacchagotta ficaria confuso. Vacchagotta é notório por abordar o Buda em muitas e muitas ocasiões, fazendo perguntas e ficando dissuadido ou confuso. No SN 44.9, por exemplo, ele expressa perplexidade com o que acontece quando um arahant morre. Assim, para os comentaristas modernos – se é que eles existem – assumir um nível de entendimento superior ao de Vacchagotta não é incongruente.

Até agora o argumento de que o não-eu é “mais uma estratégia” baseia-se em exegese não convincente. Mas vamos deixar isso de lado e focar no ponto principal: é realmente verdade que o Buda fez uma distinção fundamental entre uma estratégia e uma ontologia? Acredito que não. A distinção entre o que “é” e o que “deve ser feito”, entre uma estratégia e uma ontologia, não é válida. Ela é, eu diria, uma intrusão indesejada da filosofia ocidental empírica, que possui a distinção fato/valor em seu âmago.

Nos ensinamentos do Buda, o dhamma é tanto um fato quanto um valor: ele nos diz tanto o que é e o que devemos fazer a respeito. Essa é a questão. A natureza do mundo em si é o que molda nossa resposta. Se não temos ideia do que é real e do que não é, se não temos uma compreensão teórica do mundo que seja precisa (sammādiṭṭhi), então como devemos seguir nosso caminho?

Resumindo, o Ven. Thanissaro tem:

  • repetidamente criticado visões sem citações;
  • descartado argumentos que apenas reafirmam o que é dito no sutta;
  • enganosamente omitido contexto essencial;
  • invocado uma distinção teórica que não tem lugar no Dhamma.

Vamos seguir em frente e considerar: o que exatamente está acontecendo no diálogo com Vacchagotta? Eu discuti algumas questões relacionadas em uma nota anterior:

Esse artigo discute o uso do verbo atthi (“ser”) em uma passagem textualmente problemática do MN 90. Acontece que as formas linguísticas das declarações no SN 44.10 e no MN 90 são praticamente idênticas:

“Kiṃ pana, bhante, atthi devā”ti? (MN 90)
“Kiṃ pana, bho gotama, natthattā”ti? (SN 44.10)

(As últimas palavras no trecho do SN 44.10 estão unidas, isso é normal. Vem de na atthi attā.)

Nos dois casos, o texto só faz sentido quando atthi é lido num sentido abrangente metafísico: existir eterna e absolutamente. Esse modo de encarar a existência é fundamental para a filosofia upaniṣádica, portanto, não é de surpreender encontrá-lo ao lidar com um não-budista como Vacchagotta.

Como pano de fundo, o Páli tem duas palavras para o verbo “ser/estar”. O mais comum, bhavati, é normalmente usado em um sentido subordinado como um verbo de ligação, por exemplo, quando se diz “Esse carro é vermelho”. Atthi, que é usado aqui, tem um sentido mais forte e é usado como um “verbo pleno” para afirmar a existência de algo. Há uma discussão bastante interessante em The Nominal Sentence in Sanskrit and Middle Indo-Aryan de Andries Breunis.

Ao lermos o verbo atthi com o sentido de “existência absoluta, eterna e essencial”, não estamos forçando nada no texto. De fato, o Buda diz explicitamente que evita dizer atthattā para evitar ficar do lado dos “eternalistas”, isto é, aqueles que postulam uma existência eterna, com destaque para os brâmanes upanisádicos.

“Ananda, quando Vacchagotta me perguntou se o eu existe, se eu tivesse respondido que ‘o eu existe’ eu estaria do lado dos ascetas e brâmanes que são eternalistas”.

Da mesma forma, ao discutir a forma negativa da afirmação,  só faz realmente sentido se a “existência” for considerada em um sentido absoluto:

Quando Vacchagotta me perguntou se o eu não existe, se eu tivesse respondido que ‘o eu não existe’ eu estaria do lado dos ascetas e brâmanes que são aniquilacionistas.

Para ficar claro, a visão aniquilacionista é a de que existe um eu, mas esse eu é destruído (geralmente na hora da morte). Claramente, não é isso que queremos dizer quando dizemos em inglês que “o eu não existe”.

Ou o texto é incoerente ou a noção de existência é bem diferente. Como sabemos que essas noções de existência eram, de fato, predominantes na Índia antiga, essa deve ser a leitura privilegiada.

À luz dessas reflexões, será melhor traduzir a passagem como o seguinte:

“Ananda, quando o Vacchagotta me perguntou se o eu existe em um sentido absoluto, se eu tivesse respondido que ‘o eu existe em um sentido absoluto’, eu estaria do lado dos ascetas e brâmanes que são eternalistas.

Quando Vacchagotta me perguntou se o eu não existe em sentido absoluto, se eu tivesse respondido que ‘o eu não existe em sentido absoluto’, eu estaria do lado dos ascetas e brâmanes que são aniquilacionistas.

A ideia de que “existência” implica uma forma absoluta e eterna de existência não é inferida ou imposta ao texto, pelo contrário, ela está explicitamente declarada:

“Quando o Vacchagotta me perguntou se o eu não existe em sentido absoluto, se eu tivesse respondido que ‘o eu não existe em sentido absoluto’, Vacchagotta – que já está confuso – ficaria ainda mais confuso, pensando: ‘ Parece que o eu que eu já tive não existe mais.’”

Portanto, o texto afirma que o significado de “não existe”, como entendido por Vacchagotta, é que algo existe, mas apenas temporariamente e depois vai passar. Em nosso [ocidental e] divergente referencial filosófico e linguístico, isso não é o que queremos dizer quando afirmamos que algo não existe; portanto, deve-se traduzir de uma maneira que faça emergir o significado contextual.

Verbos sobre o ser e a existência são alguns dos mais saturados e sutis de toda a filosofia. A filosofia ocidental moderna, com todo um movimento dedicado ao “existencialismo”, e muitas outras abordagens sobre o assunto, pode se sobrepor e iluminar aspectos do Dhamma, mas é informada por um conjunto de preocupações históricas distintamente diferentes daquilo que é encontrado na filosofia indiana. Para aqueles de nós que estão interessados em entender o que o Buda quis dizer quando estava falando com seus contemporâneos, é importante estudar e entender o que essas filosofias eram. E, ao fazer isso, não devemos abordá-las para reforçar ou refutar nossas próprias opiniões sobre os ensinamentos do Buda, mas para entendê-las com simpatia como respostas humanas genuínas à vida e seus desafios.

O Buda não ficou preso ao seu contexto histórico; ele envolveu-se vigorosa e inteligentemente com ele. Seu ensino, como entendido por todas as tradições budistas, perfurou o véu do desconhecimento e revelou o mundo como ele é. Foi sua profunda compreensão da natureza da própria realidade, de como a realidade é impregnada de sofrimento a cada instante, que moldou sua compreensão do caminho que leva ao fim do sofrimento. Ele viu que o apego à identidade, o apego falso e infundado a um eu que simplesmente não existe, é um impulso fundamental que nos prende ao sofrimento. A todo momento, ele pretendia nos separar dessa ilusão, abandonar nossa crença equivocada em um eu e encontrar a liberdade.

Texto Original: https://discourse.suttacentral.net/t/on-not-self-existence-and-ontological-strategies/11836

Tradução: Tiago da Silva Ferreira

8 comentários em “Sobre não-eu, existência e estratégias ontológicas

      1. Certamente prova. No sutta, Buda diz que ensina algo (fala sobre) APENAS se este algo contribui de alguma forma para o propósito da vida santa: o fim do sofrimento. Enxergar algo como não-eu/meu é um dos vários modos de percepção para amenizar ou eliminar o sofrimento (uma estratégia). Buda não falava sobre, nem ensinava nada que não fosse especificamente para esse fim. “As before, so now I proclaim just suffering and the ceasing of suffering.” (https://www.accesstoinsight.org/tipitaka/sn/sn22/sn22.086.wlsh.html). Se “não-eu” acaba sendo uma verdade ontológica ou não, isso era irrelevante para ele. Ficar filosofando, sem que isso contribua para amenizar as máculas mentais (que são as causas do sofrimento) é apenas um prazer sensorial do intelecto, algo que agrava ainda mais essas máculas (https://www.dhammatalks.org/suttas/MN/MN63.html, https://www.dhammatalks.org/suttas/MN/MN149.html).

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      2. Não acho que o que esteja dizendo seja consistente. Verdade que Buda ensina apenas para o fim do sofrimento, mas debates sobre ontologia não são necessariamente um empecilho para esse fim. Pelo contrário, sem nenhum debate filosófico é impossível compreender os conceitos budistas e Buda se empenhou muito em explicações detalhadas de conceitos bem complexos. Há Suttas que são muito complexos e que não podem ser compreedidos sem nenhum esforço intelectual ou estudo. O Cânone Páli está recheado de debates e conceitos dessa natureza, onde a ontologia está sempre presente. Por acaso Anicca não é um conceito ontológico? Por acaso Dukkha não é um conceito ontológico? Quando Buda diz que há sofrimento, ele realmente quer dizer que há sofrimento. Não é uma simples “estratégia”. A explicação de conceitos foi importante desde a época do Buda. Sem isso, nunca teria havido budismo. Quando Buda debatia (e ele o faz com frequência no Cânone), ele não queria apenas vencer um debate para engrandecer-se. Ele queria apenas explicar o que estava ensinando e mostrar as diferenças entre o que ele dizia e outros professores diziam. É impossível haver o budismo sem algum nível de discussão e debate.
        Você mesmo acha que o debate é importante, pois se deu ao trabalho de vir aqui responder. Se o debate só piora as qualidades mentais e não ajuda, por que você aqui debatendo e defendendo seu ponto de vista? E mais: por que o próprio Thanissaro está debatendo com Bhikkhu Boddhi, Bhante Sujato e outros? Thanissaro, ao debater esse tema, está apenas satisfazendo o prazer sensorial do intelecto? No final das contas você ofendeu o próprio Thanissaro, pois ele é um monge um tanto quanto escolástico. Escreve muito, debate, tem livros filosóficos, como aquele em que debate a influência do romantismo alemão no budismo ocidental. Além disso, Thanissaro é um dos monges ocidentais mais empenhados no debate sobre a restauração da Ordenação feminina, debatendo em detalhes as regras do Vinaya com outros monges, como o Ajahn Analayo. Thanissaro também está empenhado em vários debates sobre conceitos budistas. Ele, por exemplo, discorda da ideia de Unicidade e tem textos discutindo o conceito e criticando seu uso dentro do budismo. Eu poderia passar horas aqui escrevendo sobre os inúmeros debates filosóficos em que se meteu o Ven. Thanissaro. Pergunto novamente: toda essa vasta produção intelectual é apenas um desejo de satisfazer o prazer sensorial do intelecto?

        Por fim, é difícil de acreditar que toda a Sangha estivesse errada sobre Anatta por séculos, incluindo praticamente todos os monges do passado até hoje, e apenas o Thanissaro está correto. Os monges da Tailândia e do Sri Lanka da atualidade e do passado não fizeram ou fazem a interpretação correta, apenas o Thanissaro leu corretamente depois de mais de 2 mil anos de budismo? É difícil acreditar nisso.

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  1. Sim, há debates e reflexões intelectuais no arcabouço dos ensinamentos de Buda, mas estes são delimitados e estritamente orientados a 1) amenizar as próprias máculas e/ou 2) Inspirar/encorajar outras pessoas a aderirem as práticas que amenizem as máculas. “Anicca” e “Dukkha” são auto-evidentes, visíveis aqui e agora, adentrar em um debate advocando que deveriamos considerar “Anicca” e “Dukkha” como conceitos ontológicos é uma preocupação irrelevante pois não teria nenhuma implicação prática no problema do sofrimento (aliás, na verdade teria: apenas agravaria ainda mais as máculas). O sofrimente em si não é uma “estratégia”. O “caminho de prática para o cessar do sofrimento” é que é uma “estratégia”. E as máculas são combatidas desenvolvendo modos de percepção que as contrapoem: percepção da repugnância do corpo, percepção do bem-querer, percepção da inconstância, percepção do stress, percepção do “não-eu/meu”, enfim são percepções. Quando Ven. Thanissaro diz que “anatta” é uma estratégia, ele está querendo dizer que esse ensinamento deveria ser usado como um meio para atingir o cessar do sofrimento (tal como Buddha instruiu: https://www.dhammatalks.org/suttas/SN/SN22_59.html , https://www.dhammatalks.org/suttas/AN/AN7_46.html) e nada mais. Sendo assim, ele está “advocando” de maneira apropriada para quem é comprometido com o Dhamma. Outro sutta importante que diz o que é apropriado ou inapropriado para conversar/debater: https://www.dhammatalks.org/suttas/AN/AN10_69.html

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    1. Sim, os debates dentro do budismo tem esses objetivos que você bem descreveu. Mas por que você acusa os outros de não terem esses objetivos em mente quando debatem, mas livra o Ven. Thanissaro da mesma crítica? Você diz que ele está “advocando de maneira apropriada para quem é comprometido com o Dhamma”. Quer dizer que os outros monges não agem dessa maneira? Só o Ven. Thanissaro discute apropriadamente de acordo com o Dhamma? Quer dizer que eminentes professores budistas como o Venerável Bhikkhu Boddhi ou grande Buddhadasa Bhikkhu, que defendem a ideia de Anatta como ontologia não discutem o Dhamma de modo apropriado?

      Além do mais, não entendo porque você insiste em falar sobre o que é ou não apropriado conversar/debater. Se o próprio Thanissaro, vários monges e você também estão interessados em debater sobre Anatta, então é porque o assunto merece atenção.

      Sobre Anatta, você diz que “Quando Ven. Thanissaro diz que “anatta” é uma estratégia, ele está querendo dizer que esse ensinamento deveria ser usado como um meio para atingir o cessar do sofrimento”. Mas qual ensinamento do Buda não deveria ser usado como um meio para atingir o fim de Dukkha? Esse argumento me parece insuficiente porque todos os ensinamentos do Buda tem o objetivo de cessar o sofrimento, não apenas anatta. Esse é o objetivo fundamental do budismo. A pergunta não é se Anatta é um ensinamento que visa acabar com o sofrimento (visto que a resposta é obviamente sim), mas sim o que o Buda queria dizer quando ensinou Anatta. A resposta tradicional e aceita majoritariamente ao longo da história do budismo Theravada é que se trata de uma afirmação de cunho ontológico. Thanissaro propôs uma leitura divergente. É um direito dele. Apenas acho que acusar outros monges respeitados de debaterem por orgulho ou de não debaterem de acordo com os princípios do Dhamma é que não me parece apropriado de acordo com o próprio Dhamma.

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      1. Porque Ven. Thanissaro está alertando que ao fazer uso de um ensinamento prático para nutrir opiniões sobre doutrinas ontológicas que não contribuem em nada para amenizar ou acabar com as causas do sofrimento,
        é exatamente o que Buda disse para NÃO fazer.

        “This is how he attends inappropriately: ‘Was I in the past? Was I not in the past? What was I in the past? How was I in the past? Having been what, what was I in the past? Shall I be in the future? Shall
        I not be in the future? What shall I be in the future? How shall I be in the future? Having been what, what shall I be in the future?’ Or else he is inwardly perplexed about the immediate present: ‘Am I? Am I not?
        What am I? How am I? Where has this being come from? Where is it bound?’

        “As he attends inappropriately in this way, one of six kinds of view arises in him: The view I have a self arises in him as true & established, or the view I have no self… or the view It is precisely by means of
        self that I perceive self… or the view It is precisely by means of self that I perceive not-self… or the view It is precisely by means of not-self that I perceive self arises in him as true & established, or else he has
        a view like this: This very self of mine — the knower that is sensitive here & there to the ripening of good & bad actions — is the self of mine that is constant, everlasting, eternal, not subject to change, and will
        stay just as it is for eternity. This is called a thicket of views, a wilderness of views, a contortion of views, a writhing of views, a fetter of views. Bound by a fetter of views, the uninstructed run-of-the-mill person
        is not freed from birth, aging, & death, from sorrow, lamentation, pain, distress, & despair. He is not freed, I tell you, from suffering & stress.

        “The well-instructed disciple of the noble ones — who has regard for noble ones, is well-versed & disciplined in their Dhamma; who has regard for men of integrity, is well-versed & disciplined in their Dhamma
        — discerns what ideas are fit for attention and what ideas are unfit for attention. This being so, he does not attend to ideas unfit for attention and attends [instead] to ideas fit for attention.

        “And what are the ideas unfit for attention that he does not attend to? Whatever ideas such that, when he attends to them, the unarisen fermentation of sensuality arises in him, and the arisen fermentation
        of sensuality increases; the unarisen fermentation of becoming arises in him, and arisen fermentation of becoming increases; the unarisen fermentation of ignorance arises in him, and the arisen fermentation
        of ignorance increases. These are the ideas unfit for attention that he does not attend to.

        “And what are the ideas fit for attention that he does attend to? Whatever ideas such that, when he attends to them, the unarisen fermentation of sensuality does not arise in him, and the arisen fermentation
        of sensuality is abandoned; the unarisen fermentation of becoming does not arise in him, and the arisen fermentation of becoming is abandoned; the unarisen fermentation of ignorance does not arise in him,
        and the arisen fermentation of ignorance is abandoned. These are the ideas fit for attention that he does attend to. Through his not attending to ideas unfit for attention and through his attending to ideas fit
        for attention, unarisen fermentations do not arise in him, and arisen fermentations are abandoned.

        “He attends appropriately, This is stress… This is the origination of stress… This is the cessation of stress… This is the way leading to the cessation of stress. As he attends appropriately in this way, three fetters
        are abandoned in him: identity-view, doubt, and grasping at precepts & practices. These are called the fermentations to be abandoned by seeing.

        https://www.dhammatalks.org/suttas/MN/MN2.html

        E esclarecer o que faz parte do Dhamma e o que não faz, é uma prática meritória (https://www.dhammatalks.org/suttas/AN/AN1_140.html)

        Buda alertou que seus ensinamentos seriam gradualmente desvirtuados ao longo do tempo. Não é nenhuma surpresa que haja monges cujas ações e ensinamentos divergem do que foi instruído por Ele.

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      2. Ou seja, você acha que todo o Budismo Theravada está errado em sua interpretação e que só o Thanissaro está correto. Logo, você segue o Thanissaro, não o Buda Dharma. Afinal de contas, toda a tradição Theravada se desvirtuou ao longo dos séculos e só o Thanissaro chegou à interpretação correta.

        Se você ainda fosse humilde e respeitasse todos os outros que discordam do Thanissaro, tudo bem. Mas você diz que são todos desvirtuados. Ou seja, os birmaneses, tailandeses, cingaleses e demais asiáticos estão todos desvirtuados. Quem está certo é o monge americano e seu seguidor brasileiro. A sua relação com Thanissaro é a de um aluno e o líder de uma seita. Não parece nada saudável.

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