No dia primeiro de fevereiro de 2021 o Mianmar sofreu um golpe militar. Inconformados com o resultado das eleições que deu ampla vitória ao NLD, partido democrático, os líderes militares derrubaram o governo e passaram a matar a população civil que saiu às ruas para protestar contra a tomada de poder. Até agora, ao final de março, mais de 300 pessoas foram mortas, incluindo muitas crianças e adolescentes. A vítima mais jovem foi um menina de apenas 6 anos de idade. Apesar de pouco conhecido, o Mianmar é um dos mais importantes países para a propagação do budismo no ocidente, sendo um dos principais responsáveis pela popularização de mindfulness e vipassana ao redor do mundo. Nesse momento de dor pelo qual o povo birmanês passa, muitos meditadores e budistas ocidentais tem negligenciado o conflito no Mianmar, utilizando-se da esquiva espiritual para justificarem o desengajamento e a apatia. Nesse texto, o monge Theravada Joah McGee, radicado no Mianmar desde 2007, fala sobre a importância de apoiar e ajudar o Movimento de Desobediência Civil da população birmanesa e sobre os perigos da esquiva espiritual. Ao final do texto há links onde você pode doar para a causa democrática no Mianmar.
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COMEÇOS E FINAIS: o mito budista da ascensão e desaparecimento do mundo
É comum no Ocidente ouvirmos que o budismo não fala sobre o início ou o fim do mundo. É verdade que as antigas escrituras budistas não dão destaque para o tema, mas há dois suttas em especial que formam uma espécie de "cosmologia" e "escatologia" budistas: o sutta Agañña e o sutta Cakkavatti, respectivamente. Muito mais do que meras previsões sobre o futuro ou explicações sobre as origens do universo, esses textos apresentam uma riqueza de detalhes e informações sobre o budismo que podem passar despercebidas ao leitor desatento. Neles, Buda fala sobre questões sociais e políticas, defende propriedades coletivas, justiça social, políticas públicas para os pobres, participação política das massas, dentre outras coisas. Isso se dá porque o Buda privilegia uma teoria do contrato social em detrimento do conceito de direito divino que era comum na Índia de sua época. Buda utiliza essas imagens cósmicas e apocalípticas como uma analogia para o desenvolvimento histórico da humanidade e propõe o Buda-Dhamma como um sistema que pode impedir, retardar ou até mesmo reverter a degradação da humanidade. Nesse sentido, a Sangha é a expressão máxima da ideia do Buda sobre a convivência social harmoniosa. O papel do budismo, nesse sentido, é servir de contraponto ao contínuo ciclo cósmico de destruição e reaparecimento da Samsara.